segunda-feira, 15 de abril de 2024

Abertura do ano judicial

Repetindo a saloiice política de 2022, a cerimónia de abertura do ano judicial de 2024 não se realizou na primeira quinzena de janeiro, incumprindo o habitual. Anunciou-se que se realizaria, provavelmente, em abril. 
A razão invocada não é democraticamente salutar. Decorrendo a vida politica com normalidade, a situação eleitoral em nada poderia contribuir para uma contaminação da justiça; nem a justiça, pelo menos na sua solenidade, contaminaria a política. 

domingo, 14 de abril de 2024

Sobe & Desce

O inquérito que visa António Costa iniciou-se com uma certidão extraída de um inquérito que corria termos no DCIAP e subiu, a certidão, ao Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça. 
Tal subida resulta de que "compete a cada juiz das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal, praticar os atos jurisdicionais relativos ao inquérito" quando se investigam crimes praticados pelo Primeiro-Ministro no exercício das suas funções. (ver artigo 11º do Código de Processo Penal)
Decorridos alguns meses, e, com certeza, com um conjunto de diligências já realizadas, foi decidido que o inquérito descesse ao DCIAP.
A razão é prosaica: António Costa deixou de ser primeiro-ministro.
Pondo de parte um princípio sempre relevante na administração da justiça, o da economia processual, ou esquecendo que a fixação de uma competência é também relevante para aquela, motivos que só por si justificariam que o inquérito continuasse no Supremo Tribunal de Justiça, a verdade é que a razão prosaica não tem qualquer sustentação legal.
O que continua em causa são factos praticados por um primeiro-ministro no exercício das suas funções, e essa avaliação criminal não se altera pela circunstância de ter deixado de o ser.
Por absurdo, dir-se-á que, seguindo a tal razão, a competência estaria sempre dependente da vontade do Ministério Público e não da lei, esperando que o primeiro-ministro o deixasse de ser: numa democracia não há primeiros-ministros eternos.
Duas interrogações:
- Se o juiz no Tribunal Central de Instrução Criminal decidir, com trânsito em julgado, que não é competente para praticar atos jurisdicionais naquele inquérito, ele subirá de novo para o Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça?
-  E se António Costa voltar a ser primeiro-ministro ainda no decorrer do inquérito, o que não sendo provável não será impossível, haverá também nova subida? E deixando de o ser nova descida
 

terça-feira, 9 de abril de 2024

Ex-autarca absolvido

"O ex-autarca da Câmara de Miranda do Douro ... foi ontem absolvido, em Bragança, do alegado benefício a um empresário de Miranda do Douro num negócio, em 2010, de instalação de ar condicionado.
Artur Nunes respondeu por prevaricação, num caso que envolveu o antigo chefe de divisão de obras municipais da autarquia ... . Este foi condenado a dez meses de prisão, com pena suspensa, por abuso de poder. Foi absolvido de participação económica em negócio."

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Costa, o Pendurado

Cessando a sua função governamental, António Costa sai pendurado na opacidade de um inquérito criminal. Não será o único que se encontra nessa situação; muitos outros cidadãos (quantos?) tornaram-se objeto, no sentido literal, dessa nebulosa que é uma justiça em segredo. Cinco meses depois de ter sido denunciado, num comunicado, como objeto dessa justiça, como é possível justificar que tudo continue a girar à revelia do mais óbvio dos seus direitos: o de saber do que se deve defender.

terça-feira, 2 de abril de 2024

Literacia policial

No balanço da atividade respeitante a 2023, o Ministério Público na Comarca de Santarém questionou "a qualidade literária e técnica das participações policiais", sendo, "frequentes vezes, reduzida, com alguns casos de ininteligibilidade ou de ausência de objeto, com destaque para a ausência de descrição factual de concretos episódios de violência doméstica".
O que posso dizer, com dezenas de anos a ler e analisar participações policiais, é que neste âmbito houve uma contínua melhoria no desempenho das polícias. Parece-me óbvio que muitas dessas insuficiências resultarão, elas próprias, das insuficiências de quem transmite os factos às entidades policiais. Estando atento àquilo que poderá considerar insuficiências, caberá a um Ministério Público diligente esclarecê-las ou complementá-las em tempo útil.

sábado, 23 de março de 2024

Leituras

O campo, a que num dos teus famosos eufemismos chamaste «colónia penal», era, afinal, uma verdadeira antecâmara da morte. Provam-no a completa incomunicabilidade com o exterior, o trabalho compulsivo, as perseguições promovidas pelos guardas, a ausência de assistência médica e medicamentosa, os castigos corporais e as celas de isolamento, de que a famosa «frigideira» é um bom exemplo do sadismo incutiste nos teus rapazes. Nada mais cristão. O objectivo deste campo era fazer desparecer da sociedade os elementos considerados mais perigosos, nisso não enganas, só que o «desaparecer», aqui, era mesmo para levar à letra e em termos definitivos.
Aliás, o próprio médico, teu conterrâneo, primo do teu cunhado Pais de Sousa e do teu então ministro do Interior Mário Pais de Sousa, que era irmão do teu cunhado - que putedo, senhor Alfredo -, Esmeraldo Pais Prata de seu nome, um conhecido admirador de Hitler, que para lá mandaste em 1937, ia bem imbuído do espírito prevalecente e levava a lição bem estudada. A resposta que dava aos presos, quando estes se iam queixar de alguma doença ou pedir algum medicamento, não podia ser mais ilustrativa da verdadeira razão da criação daquele campo naquela região, a mais árida de toda a ilha: «Não vim para salvar ninguém, mas para passar certidões de óbito.» Nada há de mais cristão.

(Pags,312/313)

sábado, 16 de março de 2024

Vice-versa

Leio que “juízes escolhem novo líder sindical com candidatos preocupados com ingerência política”.
Não será menos verdade que os políticos foram a votos com os candidatos preocupados com a ingerência judicial?

sexta-feira, 8 de março de 2024

Votar

A primeira vez em que houve eleições e eu tinha idade para votar, não votei; foi em outubro de 1973. Era, então, delegado do procurador da República, interino, numa pequena comarca. Poucos dias depois, um advogado local, que tinha sido candidato e, naturalmente, eleito, disse-me, com um sorriso de condescendência: "O senhor doutor não votou, fez mal."
Vim a votar pela primeira vez em abril de 1975, em Estremoz, onde me encontrava no serviço militar obrigatório. Se no domingo não irei votar com a comoção/entusiasmo com o que o fiz em 1975, irei, com certeza, votar com o mesmo imperativo cívico.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Mulheres

Amanhã é Dia da Mulher. E três dias depois vamos a votos para as legislativas. Dos partidos com representação parlamentar, PSD, PS, PAN, Livre, IL, PCP, BE e Chega, apenas dois dos mais pequenos são liderados por mulheres. Como as campanhas estão agora personalizadas e centradas nos líderes, como se estivéssemos a eleger o primeiro-ministro e não o conjunto de deputados, a ausência de mulheres é mais evidente. Nas imagens televisivas é impressionante, e até inestético, o número de homens que rodeiam o “chefe”.

quarta-feira, 6 de março de 2024

Do programa eleitoral do PS

Construir e divulgar uma base de dados de decisões anonimizadas de todas as instâncias e tribunais, incluindo o registo público eletrónico de decisões interlocutórias e acórdãos dos tribunais arbitrais.

Aqui (pag.121)

terça-feira, 5 de março de 2024

Do programa eleitoral do Livre

Descriminalizar a "Ofensa à Honra do Presidente da República" (artigo 328.º do Código Penal) como crime autónomo contra a realização do Estado de direito, passando qualquer tutela de matérias injuriosas ou difamatórias a ser tratada nos termos gerais e em sede cível.

domingo, 3 de março de 2024

Para ler

"Estamos em tempo de debate político. Se o caminho for ter presidentes, avancemos e sejamos responsáveis. Se o caminho for ter gerentes, escolham outro. Mas não podemos ficar comodamente silenciosos, vendo alastrar as margens de intervenção criminal e vendo afuniladas as margens de decisão política."

Eduardo Vítor Rodrigues, Os limites da decisão pública, in JN

sábado, 2 de março de 2024

Absolvição outra

Lido no JN, em 1 de março (pag. 19):
"O ex-presidente da Câmara do Fundão Manuel Frexes foi ontem absolvido, tal como os outros cinco arguidos do processo (duas pessoas e três empresas), de crimes de prevaricação de titular de cargo político, participação económica em negócio, peculato, falsificação de documentos e recebimento indevido de vantagem agravado."
Esta absolvição torna-se ainda mais significativa quando se lê:
"Quando foi constituído arguido, em 2019, o ex-autarca renunciou aos cargos de deputado à Assembleia da República e de presidente da Distrital do PSD de Castelo Branco."
Será eticamente defensável que uma acusação, pelo menos deste teor, possa suspender a vida de um político por cinco anos?

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Não pronúncia

Contra o presidente de Junta de Freguesia de Alcântara, em Lisboa, o Ministério Público deduziu acusação imputando-lhe a prática de factos que integrariam crimes de participação em negócio e abuso de poder.
Face a essa acusação, o visado demitiu-se do cargo de presidente da concelhia do Partido Socialista.
É agora notícia que, em fase de instrução, e sem o vislumbre que teve a investigação e a acusação, foi proferida decisão judicial de "não pronúncia".

sábado, 17 de fevereiro de 2024

À volta da operação sem nome

A descredibilização do juiz de instrução criminal que procedeu ao primeiro interrogatório já começou; é a festa que congrega justiceiros de diversas origens. 

*
Argumentar, para o eco mediático, que outros juízes de instrução criminal autorizaram, no mesmo inquérito, buscas e/ou interceções telefónicas, não é didaticamente salutar.
A razoabilidade indiciária para que sejam autorizadas buscas ou interceções é substancialmente diferente da razoabilidade indiciária quando está em causa a liberdade do cidadão.
Conhecem-se muitas situações em que, estando em causa a liberdade dos arguidos, o juiz discorda do que o Ministério Público propõe.
Quantas situações se conhecem em que o juiz não aceitou determinar a realização de buscas ou interceções?
É pena que não haja estatísticas sobre esta matéria.
Por outro lado, e esta será a vertente mais relevante, o juiz decide sobre as buscas e interceções à revelia dos visados, ou seja, sem qualquer contraditório; o que não acontece quando está em causa a liberdade.
Não se deve ignorar ou desvalorizar a importância da defesa.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

A suspeição global

Do excelente e oportuno texto do Professor Miguel Romão, com o título Tão Bom, maltratar os políticos, no Diário de Notícias:

"Não creio que descriminalizar o abuso de poder de um funcionário seja necessariamente um bom sinal em termos de vida pública, como se nota, aliás, pelas diversas notícias, também internacionais, sobre o assunto. Mas é um claro aviso sobre os tempos que se vivem. Tempos de um enorme cansaço provocado pela banalização e generalização na cobertura do direito penal sobre toda a atividade pública. Tempos de suspeição global, tantas vezes injustificada, lançada impunemente sobre titulares de cargos públicos, por longos períodos, ao sabor de uma gestão de investigações seguramente questionável, mas, na prática, impossível de sindicar e avaliar. E tempos em que a capacidade de recrutamento e de atração para a atividade política e para a direção de serviços públicos naturalmente está limitada, pois muitos, justamente, não querem ser epigrafados de criminosos antes de qualquer julgamento ou condenação ou correr riscos até financeiros, perante a enorme incerteza de decisões que surjam no futuro."

Serviço público

 


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Outra absolvição

Miguel Alves, acusado por factos praticados enquanto presidente da Câmara Municipal de Caminha e que constituiriam crime de prevaricação, foi absolvido. 
Miguel Alves era secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro António Costa quando se viu obrigado a demitir-se em resultado da acusação agora julgada improcedente.
A ser verdade o que leio - a acusação não estava sustentada "por quaisquer meios de prova", torna-se cada vez mais óbvio que há um Ministério Público a repensar.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Excessos

A operação sem nome foi excessiva no aparato e nas detenções. Que uma decisão judicial considere que não há qualquer razão indiciária para que se tivessem verificado, deveria ser um escândalo. Há uma responsabilidade objetiva, para a qual também será de convocar uma exigência moral, a que o Ministério Público não pode nem deve furtar-se. Creio ter-se ido longe demais; o defeito não é da lei, mas da organização. 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Anda tudo ligado

Na apresentação do programa eleitoral do Chega, o seu líder considerou que algumas das medidas propostas acarretariam uma "compressão de direitos", o que, surpreendentemente ou não, passou ao lado do comentariado do dia.
No afã dos palpites para resolver os problemas resultantes dos megaprocessos, não deixa de ser curioso que também alguns deles incorporem idêntica compressão.

Robert Badinter

Com a idade de 95 anos, morreu Robert Badinter. Em tempos em que o populismo invade a justiça, é devida uma memória agradecida a um dos juristas mais eminente na luta contra a pena de morte.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Uma super-decisão revogada

Em julho de 2023, no âmbito da operação Picoas, foi aplicada a um arguido, após o primeiro interrogatório judicial, a medida de coação de prisão domiciliária.
Do despacho respetivo foi interposto recurso.
Entretanto, em outubro de mesmo ano, a medida aplicada substituída por uma super-caução (10 milhões de euros).
O recurso interposto foi agora apreciado e revogada a decisão recorrida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, criticando-se a "fundamentação por remissão, por atacado, para a prova dos autos" daquele despacho.
Segundo o JN, onde li a notícia, deverá ser ser proferida uma nova decisão, agora por outro juiz de instrução, dado que o anterior já não exerce funções de instrução criminal.
Não deveria ser o mesmo magistrado a decidir, sob pena de de vir a ser proferida uma outra decisão em sentido contrário?

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Das detenções estrondosas

Os detidos na operação sem nome, na Madeira, continuam a aguardar o seu interrogatório judicial. Houvesse uma jurisprudência do bom senso, há muito que aguardariam aquela diligência em liberdade. Só uma inversão dos valores, esquecendo que a liberdade é o primeiro, justificará esse procedimento. Não se trata da lei, mas da razoabilidade da sua compreensão.
Como escrevi aqui a propósito de um outro caso de idênticos contornos:
"A tenda foi montada há mais de 48 horas. Os detidos continuam detidos sem que um juiz ainda os tivesse interrogado e pronunciado sobre a sua (deles) situação. Li que a papelada recolhida nas buscas exigirá análise, o que tardará os interrogatórios. Então o que vale não são os elementos de prova recolhidos até às detenções? Então as detenções não foram devidamente preparadas e não deveria estar já preparado o expediente para a apresentação judicial dos detidos?"

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Das absolvições discretas

Do Jornal de Notícias, última página, de 30 de janeiro:

O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a absolvição de cinco administradores, no caso dos colégios GPS, acusados de peculato, falsificação de documentos e burla qualificada, por alegadamente se apropriarem de mais de 30 milhões de euros de verbas do Estado para a prestação de serviço público de educação. "Não se provou que tivesse havido prejuízo para o Estado, nem que os arguidos tivessem enriquecido ilegitimamente", lê-se na decisão.

sábado, 6 de janeiro de 2024